Alguém já te chamou de “talentoso”?
Eu cresci com um enorme interesse em histórias. Isso não vem do nada, é claro — eu tive muito incentivo. Minha mãe, meu tio, minha vó, todo mundo lê muito, gosta de ler, gosta de contar histórias.
Minha mãe e eu tínhamos uma brincadeira que eu amava. Tínhamos o costume de deitar na grama, olhar pro céu e inventar histórias. Uma das duas começava com um “plot” e a outra continuava. O caos era óbvio, a narrativa não fazia o menor sentido, mas aquilo explodia a minha criatividade.
Foi mais ou menos nessa época que eu comecei a escrever contos, graças à outra influência, dessa vez da minha professora. E nessa época também foi quando ouvi a temida palavra pela primeira vez: talento.
Era legal ter talento, ter um dom. Mas acho que isso acabou me prejudicando mais do que ajudando.
Porque pensa comigo. Por que uma pessoa talentosa precisaria estudar? Praticar? Se dom é algo com o qual nascemos, então nossas obras sempre serão incríveis, aceitas e lidas, certo?
Eu demorei mais tempo do que você imagina pra entender que talento é algo bem raro. E que provavelmente a maioria das pessoas que admiramos e que acreditamos que têm talento são, na verdade, apenas muito trabalhadoras e esforçadas.
Por ser uma pessoa falha e imperfeita — como todo ser humano —, eu tinha muito a aprender ainda.
Meu último aprendizado mais relevante foi de aceitar as imperfeições de um primeiro rascunho.
Nas últimas semanas comecei a ler o livro Sobre a escrita, do Stephen King. Muitos amigos escritores recomendaram. Mas quando chegou o livro e comecei a ler, fiquei meio ué. Metade do livro é o King contando a história da vida dele, pra só então começar com as dicas.
Porém um grande contador de histórias como ele não faz nada por acaso e as coisas começaram a se amarrar de um jeito muito genial.
Segundo o autor, o primeiro rascunho é só para o escritor. E tudo o que é escrito nele deve ser sem filtro, sem medo de errar e sem quaisquer intenções de ser lido por alguém. É você contando a história pra você. Só depois entram as edições e as transformações da história em algo coerente para ser publicado.
Talvez seja a dica mais óbvia do mundo, mas você não faz ideia de como isso tirou um peso das minhas costas. Esses tempos conversei com um amigo, César Augusto, da
, e contei pra ele como os meus primeiros rascunhos pareciam mais uma V3 ou V4.Claro, porque a Hannah editora estava presente demais em um processo onde apenas a Hannah escritora deveria estar. Aí o que acontece é que a escrita fica assim:
árvore > carvalho > pera será que carvalho teria nesse lugar? > pesquisa sobre carvalho > entra na wikipédia de botânica > perde 40 minutos pesquisando em vez de escrever
Sabe por quê? Por medo. Porque escrever é estar vulnerável. É colocar palavras na tela sabendo que elas — ainda — estão ruins, que as coisas ainda não estão prontas. Por isso o primeiro rascunho é tão assustador. E por isso o alívio quando Stephen fucking King deixou claro que o primeiro rascunho é uma merda mesmo.
Não precisa ser perfeito. Só precisa existir. Afinal, não dá pra editar um rascunho nunca escrito.
Desejo a você que a merda do primeiro rascunho — na escrita ou onde for — não te paralize.
Gostei do texto! Sem dúvidas o primeiro rascunho é horrível.
Primeiro: aqui em casa somos fãs de Sobre a Escrita. Esse livro mudou minha vida! Segundo: texto excelente, Hannah! Terceiro: fico feliz em anunciar que minha primeira versão mais recente ficou uma MERDA! Acho que estou mais livre agora HAHAHAHAH